Goiânia, 15 de outubro de 2024 – O Instituto Oswaldo Cruz (IOC), parte da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), liderará um ensaio clínico pioneiro para o desenvolvimento de uma vacina contra a hanseníase. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, nesta segunda-feira (14), a realização dos testes em humanos, o que pode abrir caminho para que a população brasileira tenha acesso a uma vacina gratuita contra a doença.
A vacina candidata, chamada LepVax, foi desenvolvida pelo instituto americano Access to Advanced Health Institute (AAHI), especializado em biotecnologia. A LepVax utiliza uma tecnologia moderna de subunidade proteica e já demonstrou resultados promissores em testes pré-clínicos, com capacidade de combater a bactéria Mycobacterium leprae, causadora da hanseníase.
Antes de iniciar os testes no Brasil, que contarão com 54 voluntários, a vacina foi testada com sucesso em 24 pessoas sadias nos Estados Unidos, onde demonstrou segurança e capacidade de estimular o sistema imunológico, sem registrar eventos adversos graves.
Brasil, foco global no combate à hanseníase
A realização dos testes em solo brasileiro é significativa, pois o país concentra 90% dos casos de hanseníase no continente americano e é o segundo no mundo em notificações da doença, atrás apenas da Índia. Entre 2014 e 2023, quase 245 mil novos casos foram registrados no Brasil, sendo 22.773 apenas no ano passado, conforme dados do Ministério da Saúde.
Com o cenário epidemiológico brasileiro, os pesquisadores esperam avaliar o impacto da vacina em um território onde a hanseníase ainda é transmitida ativamente. A expectativa é de que, no Brasil, muitos indivíduos já tenham tido contato com micobactérias, o que pode influenciar a resposta à vacina.
Fase de testes e estrutura do estudo
O Instituto Oswaldo Cruz será responsável por avaliar a segurança e imunogenicidade da LepVax, investigando também duas formulações da vacina, com doses baixa e alta de antígeno. Os voluntários serão divididos aleatoriamente em três grupos: dois grupos receberão a vacina com doses diferentes, e o terceiro grupo receberá um placebo (solução salina).
Os participantes receberão três doses com intervalos de 28 dias, sendo acompanhados por um ano. Para participar, é necessário ter entre 18 e 55 anos, estar em boas condições de saúde e não estar grávida. Aqueles que já tiveram hanseníase ou que tiveram contato próximo com pacientes infectados não poderão participar.
Parcerias e financiamento
O estudo conta com a colaboração de diversas entidades e parceiros internacionais. A American Leprosy Missions (ALM), dos Estados Unidos, lidera o desenvolvimento da LepVax desde 2002. Além disso, o projeto tem apoio financeiro do Ministério da Saúde e do fundo japonês Global Health Innovative Technology Fund (GHIT Fund). A Fundação de Saúde Sasakawa, do Japão, também é parceira da pesquisa.
Para a pesquisadora Roberta Olmo, chefe do Laboratório de Hanseníase do IOC/Fiocruz, a realização deste ensaio clínico marca um passo importante na luta contra a hanseníase. “A eliminação sustentada da hanseníase como problema de saúde pública requer uma vacina. A LepVax surge como uma solução profilática e terapêutica que pode contribuir para o controle da doença”, afirma Olmo.
Análise crítica
O desenvolvimento de uma vacina contra a hanseníase, liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz, é um marco na saúde pública global, especialmente em um país como o Brasil, onde a hanseníase ainda é um desafio epidemiológico. A criação da LepVax representa não apenas um avanço científico, mas também um símbolo da importância de políticas públicas e investimentos em pesquisa para doenças negligenciadas, muitas vezes associadas à pobreza e exclusão social.
Contudo, apesar dos avanços, a distribuição equitativa dessa vacina em áreas vulneráveis será crucial. Historicamente, regiões mais carentes enfrentam dificuldades de acesso à saúde, e para que o impacto dessa vacina seja verdadeiramente positivo, será essencial que o governo e as entidades responsáveis garantam que ela chegue a todos, especialmente nos municípios com maior incidência da doença.
Além disso, o sucesso do teste em voluntários no Brasil abrirá portas para a expansão global da vacina, reforçando o papel do país como protagonista em pesquisas de saúde pública. Entretanto, a conscientização sobre a importância da vacina e a luta contra o estigma que ainda ronda a hanseníase devem caminhar lado a lado com os avanços médicos, para que a erradicação da doença seja efetivamente alcançada.